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Escrito por Graziela Spadari

Geralmente quando falamos em violência, logo nos vem à mente aquela que o outro nos impõe. Raramente pensamos que ela pode estar sendo carreada pelo cafezinho indigesto, pela culpa não digerida, pela angústia da insatisfação, pela rotina mal adaptada à própria realidade, pelo álcool em excesso, pelo cigarro que envenena o corpo, pela manutenção daquele relacionamento que todo dia me diminui e me afasta de mim.
Quando buscamos as causas das delícias e dores que nos tocam no outro, incluindo aqui todo o entorno e não apenas o outro humano, então estamos pensando errado. É assim que o Āyurveda “pensa”.

Geralmente quando falamos em violência, logo nos vem à mente aquela que o outro nos impõe. Raramente pensamos que ela pode estar sendo carreada pelo cafezinho indigesto, pela culpa não digerida, pela angústia da insatisfação, pela rotina mal adaptada à própria realidade, pelo álcool em excesso, pelo cigarro que envenena o corpo, pela manutenção daquele relacionamento que todo dia me diminui e me afasta de mim.

Quando buscamos as causas das delícias e dores que nos tocam no outro, incluindo aqui todo o entorno e não apenas o outro humano, então estamos pensando errado. É assim que o Āyurveda “pensa”.

Não estou dizendo aqui que não convivemos diariamente com perversos e outros tantos desequilibrados que nos colocam em situações de dor de qualquer espectro à revelia da nossa vontade. Isso ocorre, mas, na maior parte das vezes, nossa própria fragilidade nos mantém atreladas à essa perversidade e dor.

E também não estou dizendo que a culpa é da vítima. Não é, e isso não se discute mais em 2023, ou pelo menos não deveríamos precisar.

Só estou dizendo que se estamos felizes, e estar felizes implica muito mais do que sorrir o tempo todo, é bem mais difícil cair em ciladas da vida e se por distração caírmos, é mais fácil sair.

Para dar seguimento a esse texto, sinto necessidade de esclarecer o que é felicidade real no âmbito da tradição védica, para a diferenciarmos do regozijo dos sentidos e da mente.

Existe um termo em sânscrito que é muito conhecido e usado pelos praticantes de doutrinas ditas védicas: Sat Cit Ānanda.

Poderíamos dizer em uma tradução simples, que significa algo como a descrição da natureza da realidade em si.

Essa realidade para alguns é não manifestada e dela advém todo o universo conforme o conhecemos.

Para outros Sat Cit Ānanda é o mesmo que Deus. É a realidade absoluta manifestada.

De qualquer forma, Sat Cit Ānanda seria a fonte de toda a consciência e de toda a perfeição, e experienciar esta fonte é o objetivo final da jornada espiritual para os praticantes. Há ainda muitas outras interpretações, mas esse não é o objetivo deste texto.

Vamos entender o termo:

  • Sat, a verdade absoluta, aquilo que é ‘para sempre’, imutável.
  • Cit é a consciência, a compreensão, o entendimento da realidade última.
  • Ānanda é a felicidade absoluta, o estado de pura felicidade, alegria e prazer.

Uma tradução comum então é “verdade, consciência e felicidade absolutas”.

E porque estamos falando disso, se o assunto do texto é ‘Ahiṃsā e a autoviolência’?

O Āyurveda pertence à tradição védica. É o seu ‘braço’ médico. Por isso mesmo, ele se pauta nas suas raizes.

Estamos nesse mundo constantemente em busca da felicidade. Observe sua vida.

Quando foi, desde que você se lembra, que o que você queria era algo diferente de ser feliz? Essa busca é disfarçada de diversas formas. Hora queremos um emprego melhor, hora um relacionamento, hora que nossos filhos sejam bem sucedidos, que nosso corpo seja diferente, queremos nos desenvolver espiritualmente, queremos que nossos pais vivam bem e para sempre, queremos muitas coisas.

E acreditamos que todas essas coisas vão nos trazer felicidade. Aí, de uma hora pra outra, percebemos que ao atingirmos um objetivo desses, depois de um tempo, já estamos buscando outra coisa, e no mais das vezes, com a mesma voracidade e identificação.

Continue lendo o texto aqui

E assim vamos. Atravessamos a vida buscando coisas que são reais sim. São dignas sim. Se você quer e não machuca ninguém e nem a sociedade (Ahiṃsā), então deve ir buscar.

O grande problema é que nos confundimos com essas coisas, com esses desejos. Em maior ou menor intensidade sentimos que daquilo praticamente depende nossa integridade. Talvez até dependa uma parte dela, como por exemplo, o desejo de se curar de uma doença. Mas o que se cura da doença física não é o Ser. Este é ilimitado. Este é Sat Cit Ānanda, com tudo que tem direito. Logo já somos toda a verdade, já somos toda a clareza, já somos sim, toda a felicidade que tanto buscamos. Mas, por estarmos em uma condição iludida da verdade absoluta, inconsciente e de felicidades transitórias, continuamos buscando a felicidade absoluta nos lugares onde nunca vamos encontrá-la, ou seja, na irrealidade (que chamamos de realidade) e na falta de clareza disso.

Parece complexo mas não é. Reflita sobre isso. Você nunca foi ao México, quer muito ir, mas não sabe nem para que lado fica, não sabe se tem que atravessar o mar, se tem estrada, se tem que ir de barco, de carro ou de avião. Aí resolve que vai mesmo assim. Pega seu carro e sai dirigindo e parando em todo lugar bonito e atraente que passa. Vai lendo placas mas em nenhuma está escrito “México por aqui” e então você continua indo, sem saber para onde ir. Somente se você tiver sua conta bancária do céus – seus bons Karmas – realmente muito abundantes para chegar lá “no susto”. De resto, para os outros reles mortais é bom que tenham um bom GPS pelo menos. Que tenham um carro capaz de viajar tanto. Que tenham moedas suficientes para colocar gasolina. Que possam tomar um banho. Que tenham condições de fazer refeições, trocar pneus, óleo do motor e etc, e etc, e etc. E principalmente, que saibam o que buscam no México, para chegarem lá e saberem que é ali que querem estar.

E Ahiṃsā e Autoviolência Graziela, e Āyurveda, o que tem a ver com ir para o México

Tudo! Já chego lá, no México.

Eu disse lá no começo que não queremos nada da vida, a não ser a felicidade. Posso até pensar que quero a felicidade do outro, mas na realidade é a minha mesmo. Nesse caso, o outro feliz me faz feliz, logo, sou eu, sempre eu. E sabe por quê? Porque a única felicidade que existe é aquela perene, total, permanente, o meu México, que eu não sei pra que lado fica, é o seu México, é o México de todos os seres vivos em suas diferentes necessidades de evolução.

E esse é o ensinamento da Tradição Védica. Como atingir essa felicidade suprema e parar de achar que vamos encontrá-la nas coisas do mundo. Parar de ficar viajando às voltas e parando em todos os lugares prazerosos aos sentidos que passam pela nossa vida, ou pelo menos, parar de achar que todos eles são o ponto final da viagem. Enquanto acharmos isso, continuaremos dando voltas incontáveis, pois já sabemos que daqui a pouco já estaremos querendo outra coisa para ser feliz.

Ok, entendemos o México, mas e o Āyurveda e Ahiṃsā?

O Āyurveda trabalha com dois conceitos: Prakṛti e Vikṛti.

Prakṛti é nossa natureza material. No momento da nossa concepção, nos é dado um conjunto de ferramentas para cumprirmos essa jornada. Uma das tantas que já cumprimos e possivelmente só mais uma das que ainda cumpriremos. Nosso ser encarnado, que chamamos de Jīva, vem pra essa vida com necessidades exploratórias. Precisamos vivenciar certas coisas, de acordo com nosso Karma, e a nossa natureza material vem “equipada” para isso. Nosso corpo, seu formato, suas tendências, nossas inclinações sobre nossas interações com o mundo, nossas fragilidades, nossas forças, dons, tudo ali, reunido nesse pequeno termo chamado Prakṛti.

Aí temos um outro termo que chama-se Vikṛti. Vikṛti é o afastamento da Prakṛti. Somos concebidos na Prakṛti, mas ainda dentro do útero, muito embora seja mais raro, já podemos desenvolver esse afastamento. Quando estamos afastadas da Prakṛti, não podemos manifestar todo nosso potencial. E como sabemos, ser feliz por aqui nessa terrinha de meu bom Śiva não é fácil, então é bom que tenhamos todas as ferramentas disponíveis para isso que essa fase do jogo liberou para nós.

Quando estamos em estado de Vikṛti, e isso pode ser causado por hábitos equivocados de nutrição, sono, sexo, interação com a tecnologia por exemplo, mau uso dos sentidos, mau uso da mente, e muitas outras coisas, nossa capacidade de clareza para entendermos a nossa verdadeira realidade fica muito diminuída.
Exato, aquela realidade de sermos Sat Cit Ānanda. Lembra? Já somos toda a verdade, já somos toda a clareza, já somos toda a felicidade que tanto buscamos. Mas para compreender e internalizar isso, é preciso um baita trabalho em direção ao autoconhecimento.

Aí entra o Āyurveda. Aos poucos, através das práticas Āyurvedicas, vamos entendendo mais de nós. No começo como funciona nossa digestão, por que é que não evacuo todos os dias se eu como todos os dias, porque tenho gases, porque tenho diabetes, porque tenho dores no corpo, coisas assim. Depois vamos entendendo nossa mente. Por que ela parece tão frágil, por que tenho ansiedade, por que sou tão dependente de certas coisas? Por que tenho vícios que nem sabia que tinha? Com o passar do tempo, vamos nos tornando senhoras da nossa jornada. Vamos cometer equívocos, e como sempre eles terão resultados, mas não vamos mais atribuí-los às outras pessoas, ou ao tempo, ou ao destino.

Há coisas que não têm jeito. Vão acontecer. Então viver de forma Āyurvedica não é livrar-se de todo o mal. Mas é ter plena consciência de que para todo o mal há causa, e para todo o mal há cura, como diz Lulu Santos, mas que nem sempre essa cura é do jeito que eu gostaria, e vamos sofrer sim, vamos ter dor sim, pois a natureza do mundo material é imperfeita, mas vamos no fundo saber que tudo está onde tem que estar, inclusive a dor e o sofrimento, e não vamos mais nos identificar com ele, e nem com as felicidades efêmeras, pois saberemos que tanto a dor quanto a felicidade aqui são transitórias.

Hora estaremos bem, hora estaremos mal, e tudo bem, já que me conhecendo, sabendo que minha realidade última é Sat Cit Ānanda, reconheço que são apenas experiências passageiras.

O Āyurveda me permite mente clara, corpo saudável quanto possível, sentidos com acuidade suficiente para perceber as coisas como são. O resto, pertence à lei do Karma. Ação e reação. Minhas ações geram reações de mesma natureza. E o Āyurveda me dá ferramenta para escolher a natureza das minhas ações, já que nos é impossível escolher as consequências das mesmas.

E Ahiṃsā no contexto da autoviolência?

Ahiṃsā nesse contexto é não fazer gol contra.

É não agir de forma a prejudicar a minha capacidade de consciência, a minha percepção da verdade, através das ferramentas que o Āyurveda e outras formas de autoconhecimento proporcionam, para buscar a felicidade em mim, não nas paradas distraídas das muitas estradas até o México.

Para finalizar há um termo importante que é parte integrante do conhecimento básico do Āyurveda, que é Prajñāparādha

Prajñāparādha de modo simples é ofensa contra a sabedoria. A sabedoria que está latente em mim de saber, lá em algum lugar recôndito do meu ser que minha realidade é Sat Cit Ānanda e por isso é Ahiṃsā.

Ofender essa sabedoria ofende todas as formas de Ahiṃsā.

Himsa ou violência contra a sua natureza real, é ofensa contra a natureza de todos os seres e da consciência suprema e imutável, logo, contra você mesma.

Quando se respeita alguém não queremos forçar a sua alma sem o seu consentimento.

Dito por Simone de Beauvoir

Todos os textos postados neste blog são de inteira responsabilidade dos seus autores.

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