Escrito por Adriano Michalovicz
Sons da Natureza
Há cerca de cinco anos, estava estudando e me preparando para ministrar uma aula, a respeito da utilização de músicas instrumentais com sons de natureza para meditação, e no mesmo período estava gravando um disco com esse propósito – o disco triplo “Cores da Floresta”, do grupo Ser SER, junto de meu amigo Luis H. Mioto.
Nesse período li este estudo realizado no Irã: “O efeito de sons naturais sobre a ansiedade de pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio” (ver citação completa no fim de nosso texto). Detalhando o método do estudo, cito aqui: “Neste ensaio clínico, 90 pacientes candidatos à revascularização miocárdica em uma área urbana do Irã foram selecionados e designados aleatoriamente para grupos de intervenção e controle pelo método de minimização. No grupo de intervenção, sons naturais foram transmitidos por fones de ouvido por 30 minutos. No grupo de controle, fones de ouvido conectados a um dispositivo silencioso foram usados.”
Veja e escute abaixo o lindo trabalho de Adriano Michalovicz
Desde os anos 1980 têm sido realizado estudos acerca dos benefícios do uso de música e sons de natureza em hospitais, em pacientes antes e depois de procedimentos cirúrgicos. O uso de sons naturais como canto dos pássaros ou o som da chuva e da água, foi introduzido pela primeira vez em 1984 para tratar ansiedade e dor em pacientes. Os sons da natureza utilizados neste estudo iraniano foram os sons do disco “Sounds of Nature” gravado pelo Dr. Arnd Stein em 2011. Os sons incluíam o chilrear dos pássaros, o rugido do mar, os sons do rio e da selva e o som da chuva.
Citamos aqui os resultados da pesquisa: “O nível médio de ansiedade do grupo intervenção foi significativamente menor do que o do grupo controle meia hora após a intervenção, bem como na sala de espera no período pré-operatório. Além disso, a ansiedade média do grupo intervenção diminui, enquanto aumenta para o grupo controle ao longo do tempo”. A música com ritmo lento, uniforme e repetitivo pode induzir um estado de relaxamento no ouvinte e assim criar um ambiente terapêutico. Pode ajudar o paciente a modular pensamentos ansiosos e negativos, para estados mais calmos. Este estudo iraniano demonstra que a terapia musical reduz a ansiedade nos pacientes e sugere que os enfermeiros podem usar essa abordagem não farmacológica, integrada a outros tipos de cuidados para reduzir a ansiedade dos pacientes.
O uso de sons naturais, acompanhados ou não de música instrumental e simples, é uma boa estratégia na escolha de repertório para ouvirmos em ambientes de hospitais, já que estes sons fazem parte de nossa herança sonora natural, em contato com os sons do Planeta – sem as barreiras relacionadas à características culturais e religiosas, que podem causar dificuldades na imersão do paciente no som ambiente.
Os sons de natureza podem ser usados como uma ferramenta para reduzir a ansiedade dos pacientes em hospitais, clínicas e outros contextos. Com base nos resultados deste estudo, o paciente ouvir música na noite anterior à cirurgia pode ser considerado como uma intervenção profundamente benéfica para reduzir a ansiedade pré-operatória.
Musicoterapia
O exemplo da pesquisa iraniana, demonstra uma das áreas que a musicoterapia investiga, focada no som e como este afeta o individuo de forma objetiva, porém existem também diversos aspectos subjetivos, principalmente no âmbito social, que também são investigados e levados em consideração pela musicoterapia. Ou seja, muito cuidado ao afirmar que uma música é terapêutica em si, como se fosse algo universal – tal pensamento já criou diversas deturpações na forma de se compreender a realidade, e pode ser facilmente utilizado para se manipular e consolidar grupos e posições hegemónicas na sociedade. Não é possível realizar musicoterapia sem compreender os contextos, o histórico do individuo, assim como a sociedade e o tempo em que se está inserido.
Musicoterapia é a utilização da música como um instrumento terapêutico para a recuperação, manutenção e melhora da saúde psicológica, mental e fisiológica e para a habilitação, reabilitação e manutenção das habilidades físicas, comportamentais, sociais e do desenvolvimento (BOXILL, 1985).
A música sempre fez parte do universo da cura e da transcendência, num âmbito e em prol do equilibrio da vida em sociedade. Na cura, como um elemento que permitia as pessoas se liberarem de forças negativas, restabelecendo o equilíbrio mental, emocional e espiritual. Como transcendência, como se auxiliasse o homem a entrar em contato com realidades do território do sagrado, por exemplo, através de transes religiosos.
De acordo com Ruud, a música possui quatro funções principais: (…) ela atua no sentido de melhorar a atenção, vinculada ao treinamento do desenvolvimento motor e/ou cognitivo; estimula habilidades sócio-comunicativas; favorece a expressão emocional e esclarecimento e estimula o pensamento e a reflexão sobre a situação de vida da pessoa (RUUD, 1990, p.87).
A musicoterapia começou a se constituir enquanto área de ciência a partir da segunda guerra mundial, quando os soldados eram acometidos não apenas por sofrimento físico, mas também pelos traumas emocionais e mentais, e se observou que a música auxiliava em uma catarse, uma intensa liberação de sentimentos e emoções, o que em seguida modificava a saúde, acelerando até a recuperação física.
No Brasil os primeiros cursos iniciaram na década de 70, no Rio de Janeiro e em Curitiba/PR – sendo em Curitiba uma universidade estadual (UNESPAR), gratuita, onde tive a honra e previlégio de estudar, orientado por professores que inspiram minha jornada profissional e pessoal. Atualmente retornei à UNESPAR, agora no programa de mestrado, onde me dedico à pesquisa sobre a música indiana e os músicos brasileiros que se dedicam a esta jornada.
Um conceito que podemos utilizar para compreender e diferenciar a musicoterapia de outras práticas que utilizam som e música, além da formação académica e consequentemente a pratica baseada em pesquisa e resultados científicos, é que a musicoterapia utiliza a “música e sons como terapia”, enquanto outras práticas utilizam “som e música nas terapias”.
Criação Musical e Música como Cura
Existe uma relação profunda do homem com a natureza, e este universo é repleto de canto de pássaros, som de água, som de chuva, som de fogueira e tantos outros sons… essa música da natureza conhecemos desde que nascemos, é a música que sempre tocou em nosso planeta, e somada a outros sons que sentimos desde o ventre de nossa mãe, como a batida do coração.
Todos esses sons nutrem e inspiram o artista a criar, do violeiro caipira tocando na beira do rio no entardecer de verão, até o sitarista indiano na beira do Ganges tocando no amanhecer de uma primavera.
O Grupo SER tem como proposta experimentar outros caminhos, tanto no processo da composição musical, como na forma de apresentar a música ao público, dando atenção para outras esferas que a música desperta em nós e o que ela pode transformar em nós.
Continue lendo o texto aqui
A música, pode nos fazer lembrar de épocas da vida, de pessoas, trazer memórias, emoções, e às vezes em um pequeno momento meditativo de total envolvimento e relaxamento, nos relembrar o que é mais importante em nossa vida, quais são nossas raízes e valores, quem nós somos.
Contemplando a Vida, a Natureza, ou uma canção, aprendemos a olhar também para nós mesmos e nos conhecer. Nesse sentido a proposta do SER não é nova, é milenar, utilizar a música como uma ferramenta de meditação e autoconhecimento. Enfim, se podemos estar mais afinados e conscientes, poderemos viver melhor e nos afinarmos com os demais integrantes da orquestra, nas relações pessoais, sociais e com nosso planeta.
O segundo álbum do SER foi gravado na Chácara Marabu, que fica em Rolândia, Paraná. Em encontros diferentes, vivenciados em cada estação do ano, porque fez parte do estudo algumas concepções da medicina chinesa, que divide o ano em 5 estações. Cada música brotou e foi se lapidando naquele momento e local de natureza, e daí registrada, de forma orgânica, ou seja, o som de natureza que se houve está sendo captado naquele momento junto à música. O exercício era sentar, respirar e ouvir os sons da natureza, e aos poucos ir se permitindo dialogar musicalmente, num fluxo criativo.
Quando nos apresentamos ao vivo, atualmente chamamos de recital meditativo “Um som que oriente”, uma das propostas é enquanto tocamos, deixarmos soar junto os sons naturais que gravamos, propondo que a pessoa visualize essa paisagem natural (por exemplo de um rio), e leve sua atenção para a respiração e a audição da música. Esse exercício com estes focos mentais constitui uma metodologia de meditação que dia após dia, sentindo a música, revela o efeito benéfico.
Referência:
AMIRI, M.J., SADEGHI, T., NEGAHBAN BONABI, T. The effect of natural sounds on the anxiety of patients undergoing coronary artery bypass graft surgery, Irã, 2017. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29167742/, acessado em 02-06-2020.
BOXILL, E. Music therapy for developmentally disable rockville, MD: Aspen system, 1985.
BRUSCIA, K E. Definindo Musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000.
MICHALOVICZ, Adriano. Os padrões musicais orientais como recursos terapêuticos na prática da musicoterapia; Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Musicoterapia). Orientador: Lydio Roberto Silva. Curitiba/PR: UNESPAR/Faculdade de Artes do Paraná, 2009.
RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. [tradução Vera Wrobel]. São Paulo: Summus, 1990.
“
A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia.
Dito por Ludwig van Beethoven
Todos os textos postados neste blog são de inteira responsabilidade dos seus autores.
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